domingo, 14 de setembro de 2014

A JOIA DO SUL

Tema

Acima da colina, sob uma árvore retorcida, a comitiva finalmente avistara os vastos campos de trigo que levavam as muralhas de Jerida. O sol emergia de trás dos montes naquela alvorada de primavera, tornando os campos dourados. Arpello, que assumia a posição de cocheiro, colocou ambas as mãos sobre as coxas, projetando o peito pra frente, e respirou fundo.



-Não sabem o quanto sonhei com o cheiro destes campos. Mais de vinte dias arrastando cavalos e carroças pelas planícies valeram a pena, afinal... _O comandante fungou.

Os demais permaneceram quietos, apenas desfrutando da aprazível vista, até que o primeiro casco derrapou levemente na encosta, iniciando a descida da comitiva pela colina de terra. A colina era muito íngreme, mas tantos dias cavalgando por planícies, como se fossem nômades, renderam uma paciência singular no momento de fazer deslizar com cautela cada roda das quatro carroças ribanceira abaixo. Quando a carga finalmente tocara o chão coberto de piçarra, os cavalos foram chicoteados, para que a prudência desse lugar a velocidade numa cavalgada rumo às trilhas que serpenteavam os campos reluzentes. Conforme se aproximavam, conseguiam enxergar cada vez mais facilmente os tantos homens de tangas, que, com os troncos expostos ao sol matinal, iniciavam seus trabalhos nos cultivos. Homens suados e esbaforidos, com as peles terrivelmente castigadas pela frequente exposição ao grande olho escarlate.

Além destes, outros homens eram vistos, mas perambulavam pelas trilhas e observavam o trabalho nos campos, como águias. De braços cruzados e caminhando a passos lentos, trajavam gibões com coletes, saiotes, botas, luvas, e não pareciam carregar nenhuma arma além dos chicotes que utilizavam como cinto. A comitiva usara da mesma trilha em que estes capatazes rondavam, para conduzir as carroças rumo ao portão. Arpello não parecia conhecê-los, mas como cumprimento, acenava para cada um deles, que apenas correspondiam com olhares. A oeste e leste dos campos de trigo, Arcadio, Elen e Turdal conseguiam avistar pequenos assentamentos; conjuntos de unidades agrícolas e cabanas, destinadas a abrigar os trabalhadores dos campos e os responsáveis por toda supervisão do trabalho.

-Parece que os campos são férteis além dos muros de Jerida. _Arcadio pensou alto. Um dos soldados que seguia logo atrás, em seu cavalo marrom escovado, ouviu com clareza.

-São os campos dos nobres, garoto. Não encare muito, os capatazes não gostam quando encaram.

Arcadio seguiu o conselho e voltou seu olhar para frente, onde já avistava os dois soldados que se colocavam em frente ao grande portão de madeira reforçada a ferro negro. Trajavam cotas de aço por cima de sedas vermelhas, os escudos lustrados de bronze refulgiam a luminosidade dos campos, e as lanças batiam no chão com a haste, sinalizando para que cessassem os passos. A caravana enfreou, e os dois soldados começaram a se aproximar. Do lado direito dos portões, em frente às muralhas, era impossível não notar os treze troncos de quase três metros fincados no chão, um ao lado do outro; Sete dos quais, exibiam homens deploravelmente presos. Os desafortunados estavam nus, com os pés e pulsos presos aos troncos e a pele das costas e dos glúteos em carne viva. Distraídos com aquilo, quase não perceberam quando os dois soldados chegaram, tocando as crinas dos cavalos, ao passo em que se aproximavam das carroças.

-O que procuram em Jerida? _Perguntou um deles, que possuía uma horrenda cicatriz da boca ao queixo, impossível de ser escondida pelo seu elmo.

-Trazemos cargas de Croton. Madeira fina, extraída da Floresta Profunda. _Arpello tentava acompanhar os soldados com os olhos, de cima da carroça. Ignorando os olhares de Arpello, os dois soldados se concentraram em verificar a carga, levantando as tendas para observar cada uma das cargas.

-O que os miseráveis fizeram para merecer essa humilhação? _Arpello indicava com a cabeça que falava dos homens que estavam presos aos troncos, não escondendo um sorrisinho de devassidão por baixo do bigode espesso.

-Impostos atrasados. _Um dos soldados respondeu, verificando por baixo da tenda da última carroça.

-Os malditos atrasam os impostos, e eu que sou castigado, sendo recepcionado por bundas pardas? Barbas de Mitra, vocês são inacreditáveis! _A risada característica e desagradável de Arpello ecoou. Os dois soldados acabaram a revista e se colocaram na frente do cocheiro, julgando que o mesmo seria o suposto líder daquela comitiva.

-Açoitamos, jogamos urina e vinagre nas feridas, e deixamos queimar um pouco no sol. As ordens vêm de nossos senhores, não ouse questioná-las. _Um soldado sorriu o máximo que sua cicatriz permitia, enquanto o outro apenas encarava com seriedade. Após um breve momento de silêncio, ambos se afastaram, retomaram suas posições, e um deles gritou a ordem para que os portões fossem abertos. O ranger atroou enquanto o grande portão duplo de mais de seis metros abria lentamente. Os soldados saíram da trilha para dar a passagem. –Podem seguir!

Arpello rosnou e chicoteou as montarias com força, guiando as quatro carroças e toda a escolta de dezoito soldados para o interior daquele gigantesco refugio de pedra; Jerida, a Joia do Sul.

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