Com os manuscritos que tanto desejava em mãos, mas com menos água do que precisaria para sobreviver ao lado de um grupo numa longa viagem de volta, Wallid não viu outra alternativa, além de promover um verdadeiro banho de sangue. Ao longo de todo tempo que percorreu ao lado daqueles nômades, o prisioneiro analisou cada um deles, escolhendo poucos, sabiamente, para ter ao seu lado quando aquele fatídico momento chegasse. O que ninguém sabia, era o quão violentos e traiçoeiros poderiam ser, com um impulso no momento certo.
-Traga a cabeça de Fawzi aos meus pés _Ordenou Wallid a Ravos, encarando-o nos olhos.
O grandalhão não hesitou em, rapidamente, sacar seu facão Zaibhar contra o mesmo que considerava um irmão. Fawzi, por sua vez, sacou suas espadas, não contra Ravos, mas contra Wallid, aquele que acreditava ser o causador de toda discórdia. Ravos, ainda assim, se colocou na frente. Sem escolha, Fawzi feriu seu companheiro com um severo corte na coxa esquerda. O grandalhão, mais lento e desengonçado, não conseguia encontrar o tempo de Fawzi no combate, que, mesmo ofegante, se movimentava com maestria, evitando seus golpes lentos. Menor e mais esguio, certamente teria conseguido anular o ímpeto de Ravos, se Wallid não tivesse facilitado pro seu mais novo aliado.
Com o olhar hipnótico de uma serpente, o feiticeiro sentenciou a morte de Fawzi.
-Largue suas armas! _As palavras de Wallid ecoaram.
O nômade simplesmente acatou a ordem, largando suas espadas. Ravos, mesmo surpreso, aproveitou o longo momento oportuno para atravessá-lo com seu facão. Fawzi ainda teve tempo de retornar do transe antes de cair, agarrando com uma força desesperada o braço de seu antigo companheiro, enquanto a lâmina se retorcia em seu ventre. O sangue correu como uma cachoeira, e seu corpo caiu no chão de terra batida. Fawzi estava, aparentemente, sem vida, mas Wallid ainda não estava satisfeito. Mais sangue precisava ser derramado, para saciar os desejos nefastos do feiticeiro. Portanto, ainda movido pelos anseios daquele que regozijava o massacre, Ravos avançou contra Zayn.
-Detenha-se, Ravos! _Exigiu Shai, com uma flecha apontada para o brutamonte, que não esboçou nenhuma reação, além de mover sua lâmina contra outro companheiro. Shai estava apavorado, e a morte de Ayisha ainda mexia com seu intimo, portanto, aquela flecha jamais deixaria o arco. Suas mãos trêmulas e suadas, sequer, o permitiam mirar com precisão. No entanto, seus gritos desalentos ainda tentavam deter as atitudes de Ravos, cujo corpo desnudo estava banhado pelo sangue do aliado caído.
Mesmo consideravelmente ferido, Zayn o feriu superficialmente com sua cimitarra, antes de ter um destino ainda mais brutal do que o de Fawzi. O facão Zaibhar, movido pelo impulso de um braço forte e impetuoso, atingiu-lhe o pescoço. Zayn ainda golfou sangue, antes de sua cabeça pender para trás, pendurada por uma fina camada de pele e músculo. A cabeça pendurada pareceu puxar o corpo para baixo, guindo-o a um tombo desajeitado. Wallid, que se apoiava no portão que levava para o interior da fortaleza, apenas sorriu para Shai. O sol escarlate já surgia por trás das montanhas, e a luz de alvorada cobria a cúpula depredada da construção. O nômade respondeu o sorriso sarcástico de seu desafeto, apontando para ele, a flecha que seria destinada a Ravos.
-Esqueça, irmão, esse é o fim de sua liderança. _Aconselhou Hazim, apoiando sua mão sobre o arco, e tirando a flecha da mira de Wallid.
-Ouça seu irmão e poderá sair vivo daqui, mas como um prisioneiro. _Alertou Wallid, inteiramente coberto pela imensa sombra projetada pela imensa fortaleza.
-Sempre ouvi seus conselhos, irmão, e sempre guiei bem meus homens através deles. Ainda posso confiar em você? _Questionou Shai, desviando o olhar para Hazim.
_Pode sempre confiar em mim. _O tom da voz era frio, mas escondia uma tristeza. Hazim sabia, no fundo, que Wallid não permitiria que Shai vivesse. Contudo, a fim de desarmá-lo, mentiu olhando nos olhos de seu irmão, condenando-o ao horrendo destino que o feiticeiro reservava para ele. Por mais fiel que já tenha sido, para Hazim, seu antigo líder não mais poderia oferecer o que ele cobiçava. Ravos ficou com as armas de Shai, enquanto Hassib se direcionava para roubar os pertences de Fawzi. Yara apenas observou o bando ser destroçado, com um aspecto de indiferença.
Wallid apenas sorria. Aquele que fora arrastado para lá como um indolente prisioneiro, agora saía como um temido líder.
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