A figura grotesca adentrou seus aposentos com uma pesada sacola de pano empapada de sangue. Pegou parte dos seus pergaminhos e jogou sobre a cama, dando espaço para que a sacola fosse deixada a mesa. Apanhou uma vela que ainda se sustentava sobre um pequeno prato de bronze, e a utilizou para acender os incensos espalhados pelo quarto; um sobre o roupeiro, um na escrivaninha, e um na mesa, ao lado da própria sacola. O aroma era doce, porém nauseante, e impregnava todo aposento trancado e amenamente iluminado pela chama da vela solitária.
Sentou-se frente a mesa e, através de leves gestos e uma oração em sussurros com sua voz pigarreada, deu início ao que parecia ser um feitiço. Com uma postura desconfortável, projetando sua grande corcunda sobre o encosto da cadeira, o estranho homem proferia palavras murmuradas em um idioma morto, balançando timidamente as mãos sobre a sacola ruborizada. Ao fim das assombrosas preces, que muitas das vezes se confundiam com gemidos arranhados, levou seus dedos protuberantes a mesma, removendo-a para revelar uma cabeça humana; a cabeça de um homem adulto, cirurgicamente removida de seu corpo, cujos olhos arregalados encaravam o vazio da morte. Com o toque frio de suas mãos, suspendeu a cabeça que pendia para o lado, e a colocou de pé, apoiando-a no cotoco que restou de seu pescoço dilacerado.
Se apossou do único incenso que estava sobre a mesa e o balançou sob o nariz do crânio, chamando-o, mas dessa vez, em seu idioma comum.
-Venha! Não tenha medo... Venha a mim! _A voz se assemelhava a um grunhido trêmulo.
A cabeça respondeu ao chamado com contrações horríficas. Os olhos, outrora perdidos num vazio, começaram a se mover de forma vertiginosa, revelando a ânsia que aquela alma patética e desolada tinha em romper o véu e retornar para o que restara de sua carne. Debilmente, os músculos da face iam ganhando movimentos, tornando-a expressiva. Quando finalmente os espasmos de vida se enraizaram, a face sem vida do crânio se transformou numa careta de angustia e medo.
ONDE ESTOU? QUE PESADELO É ESSE? _Os olhos se moviam sordidamente, tentando observar em volta.
-Se acalme, carcereiro. Está tudo muito recente para que seu intelecto primitivo possa conceber, mas prometo te explicar com calma depois que me responder algumas perguntas. _O feiticeiro encarava o horror animado com uma satisfação notória, orgulhoso do temível feitiço que acabara de executar.
-Dragoras? É você? Por que está tão frio? _A voz simulava o que parecia preceder um pranto.
-Eu faço as perguntas aqui! Quem atacou vocês? O que aconteceu nas celas?
-Eu não os conhecia, senhor. Não consigo lembrar de seus rostos direito, minha mente está turva... Um deles usava uma velha capa vermelha, que era utilizada por um destacamento que participou das batalhas contra Poitain. Eram dois... Ou três? Acho que três. _A nebulosidade em suas lembranças não o permitia recordar detalhes do ocorrido, mesmo que alguns fragmentos estivessem intactos em sua memória. Havia acabado de acontecer, o cadáver estava fresco, mas para aquela forma débil de vida, tudo não parecia ter passado de um terrível pesadelo, cuja mente se esforçava para esquecer.
-Arcadio estava com eles? _Dragoras prosseguiu.
-Não lembro de tê-lo visto. Mas, ei, senhor... Por que não sinto meu corpo? Meu pescoço está duro, eu não consigo mover a cabeça. _Um deprimente choro sem lágrimas se iniciou. -Senhor Dragoras? Por que eu não consigo acordar? Por quê?
Cansado daquela voz carregada de medo e sofrimento, o feiticeiro deu um fim definitivo a agonia do miserável carcereiro.
-Descanse, homem... Já foi suficientemente útil. _Tocou-lhe a testa com sua mão pálida e a desceu, fechando definitivamente seus olhos, e permitindo o flagelo decadente ao descanso eterno da morte.
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