terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O CRIA DO DEMÔNIO

Ivanos repousava de forma despojada em sua cadeira, com as pernas apoiadas sobre a mesa desorganizada. Ao seu lado, Viriathos estava de pé como uma estátua, encarando fixamente Turdal, acanhado do outro lado da mesa. Rompendo a calmaria, apenas o vozerio dos homens que trabalhavam nos cordames e o som das ondas espumadas se chocando contra o casco rígido da embarcação. Através da gelosia, via-se nuvens volumosas vagando lentamente pela vastidão tingida de diferentes tons de azul. A luz desbotada de alvorada delineava a face fechada do capitão.

-Mandou me chamar? _A voz de Turdal exprimia o medo.

-Quem você era você, antes de subir a bordo? _Ivanos alisava seu espesso bigode com o indicador e o polegar, com ambos os cotovelos apoiados nos braços da cadeira. Pensativo, Turdal engoliu saliva. Não sabia o que suas respostas poderiam desencadear. Tinha muita confiança para mentir olhando nos olhos das pessoas, mas não daquele homem. Em seu navio Ivanos estava acima de qualquer um, tal como um rei está para seu reino. Turdal não mentiria para um rei. Turdal não mentiria para Ivanos...

-Eu fui em terra a mesma coisa que vocês são em mar, capitão.

-Dispensemos formalidades. Por enquanto, me chame de Ivanos. _O capitão sinalizou para Viriathos, que imediatamente desamarrou um coldre de couro de sua cintura e serviu um vinho avermelhado numa taça de prata, em pé sobre a mesa. Ivanos se apossou da taça e a levou a boca, umedecendo sua garganta seca com o líquido adocicado. Enxugou o bigode com os dedos e devolveu a taça à mesa. –Quer dizer que era um assassino, inescrupuloso e degenerado? _Viriathos sorriu ao conter uma risada.

-Ladrão e ganancioso também! _O capitão se surpreendeu com a resposta, e seus olhos acusaram tal surpresa como um soco na boca do estômago. Turdal conseguiu desarmá-lo, traçando rugas em seu rosto, que se abriu num expressivo sorriso. Aproveitou a guarda aberta para prosseguir. –Mas, por que o interesse em meu passado?

-Você tem seguido minhas ordens tão fielmente quanto um cão. Calisto fez elogio sobre seu desempenho nas vergas, você conseguiu avistar o galé Argosseano da cesta na gávea, enquanto todos bebiam, capturou Crispus, o torturou e arrancou cada resposta que eu precisava. No entanto, mais do que qualquer coisa, algo me chamou a atenção. _Turdal conteve o entusiasmo, mantendo-se calado para que pudesse terminar de ouvir seu capitão. –Viriathos é como uma águia, quando está sobre os mastaréus. Quando não estou por perto, ele é meus olhos. Nada! Entende, garoto? Nada acontece, sem que ele perceba. _O ladrão apenas respirou fundo enquanto concordava com a cabeça. –E ele me disse que você foi o que mais matou a bordo de nossa presa. Disse que você é sujo, mas que degolava soldados como galinhas. Isso é verdade?

-Sinceramente eu não sei quantos matei, mas confesso que não sou o mais honrado dos homens em combate. _Turdal refletiu o sorriso.

-Honra? Não é o que procuro em meus homens! Balthus era honrado, e agora ele alimenta os peixes. _Lentamente, o sorriso de Turdal se desmanchou. –De qualquer forma, falei isso tudo para justificar um convite. Um convite cuja recusa eu considerarei um insulto... _ Uma brisa agradável soprou por entre a gelosia, acariciando seu rosto e tocando seu cabelo desgrenhado. -Gostaria de ser meu aprendiz? _O ladrão se agarrou nos braços da cadeira com intensidade e arregalou os olhos diante da oportunidade que pairava em sua frente.

-Claro, c-claro... Sem dúvidas, capit... Ivanos! Seria um privilégio. Não o decepcionarei, juro... _Turdal corou e sentiu seu rosto aquecer.

-Ora, garoto! Não me entedie com tanto agradecimento. Viriathos, sirva mais uma taça. Temos um brinde a fazer!

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